Justiça Conectada: cartilha orienta sobre enfrentamento à violência digital contra as mulheres

Entrevista concedida pelo dr. Solano de Camargo sobre a divulgação da cartilha elaborada pelo Projeto Valquírias Digitais do qual foi o idealizador e a dra. Beatriz Hilkner participa como fundadora.

Rota Jurídica. Disponível em: https://www.rotajuridica.com.br/justica-conectada-cartilha-orienta-sobre-enfrentamento-a-violencia-digital-contra-as-mulheres/

10/10/20254 min read

A Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência da OAB-SP lança a Cartilha “Justiça Conectada”, para orientar no enfrentamento à violência digital contra as mulheres. A publicação reúne 27 tipos de delitos digitais de gênero, explica cada um deles e aponta canais de apoio e legislações.

A cartilha, que pretende expandir a rede de parceiras e apoiadoras, faz parte do Projeto Valquírias Digitais, idealizado pelo presidente da Comissão, Solano Camargo. Ele utilizou o mito nórdico das guerreiras armadas e empoderadas para expressar o sentido de luta em torno da questão.

Violência digital de gênero

A cartilha define o que é violência digital de gênero como qualquer forma de agressão, intimidação, humilhação ou controle exercida por meio das tecnologias da informação – como redes sociais, aplicativos, e-mails ou dispositivos eletrônicos – motivada por questões de gênero.”

Segundo Solano de Camargo, os dados de violência digital contra mulheres são assustadores, quando comparados ao tratamento que os ilícitos digitais contra as mulheres recebem no Exterior, tanto de prevenção, quanto de combate.

“Comparativamente, há duas grandes diferenças: Lá fora há mais prevenção e, no caso de haver o surgimento de nova tecnologia, há preocupação com o seu impacto sobre grupos vulneráveis. Aqui não há essa cultura, somente colocamos cadeado depois da porteira arrombada”, diz Solano.

Ele cita como exemplo Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), Lei Carolina Dieckmann (Lei 12.737/2012), Lei Joana Maranhão (Lei 12.650/2012), Lei Mariana Ferrer (Lei 14.245/2021), dentre outras, inspiradas em mulheres que foram vítimas emblemáticas de crimes de gênero.

De acordo com Solano, é fundamental nomear os ilícitos on-line para começar o debate e o combate no plano Legislativo e Jurisprudencial. Também porque as vítimas, muitas vezes, têm dificuldades de explicar e enquadrar o que sofreram em um dos tipos de violência digital. “É o caso de uma tapinha não dói. Conversei com duas mulheres que achavam fofo que fossem monitoradas eletronicamente dentro de casas pelos maridos e pelo GPS do carro. Isso normaliza a violência, não é fofo, é tóxico”.

Na pesquisa de campo realizada pela Comissão da OAB-SP com 7.487 pessoas (mulheres e homens) de todo o país, sendo 89,7% mulheres e 62% com pós-graduação completa, emprestou um perfil qualificado para a pesquisa. Nela, a Comissão apurou que 73,2% dos respondentes já testemunharam comunicação agressiva on-line, 60% eram casos de doxing (divulgação de dados pessoais com fins de perseguição), 52% já tinham sofrido algum tipo de assédio em redes profissionais (WhatsApp ou e-mail), 93% apoiam a criminalização de todas as formas de violência digital e 40% vivenciaram o problema.

Para o presidente da Comissão da OAB, um dado foi surpreendente – jovens de 18 a 25 anos já sofreram ou testemunharam violência digital, mas desse apenas 34% defendem a criminalização. “São os mais expostos e normalizam esses delitos. Faz sentido porque são nativos digitais e estão convivendo com esse tipo de violência desde cedo. Os dados também podem ser lidos como desconfiança ao sistema penal e a solução poderia ser híbrida com letramento e suporte para a geração Z”, argumenta Camargo.

Valquírias Digitais

O Projeto conta com 10 Valquírias Digitais distribuídas por todas as regiões do Estado de São Paulo, que atuam como coordenadoras: Isabella Rainho (coordenadora), Ana Mahle, Beatriz Hilkner, Irma Kato, Josiane Sartore, Karolyne Utomi Renata Morais, Rosália Ometto, Roseanny Lima e Sabrina Gil na linha de frente do projeto.

Diante de um quadro normativo insuficiente para combater a violência on-line contra as mulheres, a Comissão da OAB-SP propõe investimento em letramento digital, campanhas de conscientização e política de suporte institucional às vítimas, que não precisariam ir à delegacia denunciar a violência digital sofrida, porque a narrativa poderia ser feita por suas advogadas.

Depoimentos das Valquírias Digitais

Beatriz Hilkner – Rio Preto

“A jornada do Projeto Valquírias Digitais iniciou-se com imensa honra e um profundo senso de dever. O trabalho incansável de nosso grupo, evidenciado pela recente realização do 1º Fórum e pela publicação da Cartilha “Justiça Conectada”, reforça nossa missão de tornar o ambiente digital mais seguro para mulheres e crianças – uma luta que é dever de toda a sociedade. Convocamos a todos: todas somos Valquírias e, unidas, avançaremos nessa batalha por um ambiente digital seguro”.

Irma Kato – Salto

“Participar como uma das Valquírias Digitais vem sendo uma experiência que despertou um forte senso de missão e esperança. Este projeto não é apenas uma iniciativa técnica; é um chamado para proteger o que há de mais valioso na era digital: nossa liberdade e nossa intimidade. A Cartilha das Valquírias é luz que guia, oferecendo ferramentas poderosas para que todos, desde profissionais até cidadãos comuns, possam se empoderar e defender seus direitos com coragem e consciência”.

Josiane Sartore - Leme

“A violência perpetrada contra as mulheres, antes, apenas registrada no mundo físico, passou a ser, não só permitida, mas potencializada no mundo digital, através da tecnologia, E não dá para negar que o impacto causado na vítima é muito maior nesse meio digital. O Projeto Valquírias Digitais surge nesse cenário como uma forma educativa de promover a transformação social. Infelizmente, o aparato legal que temos hoje não é suficiente para solucionar situações ada vez mais complexas, que surgem no ambiente on-line”.

Rosália Ometto - Piracicaba

“ A iniciativa da cartilha busca iluminar questões complexas e pouco discutidas, promovendo reflexão e transformação social.A proposta nasce de um movimento coletivo, institucional e acadêmico, que reconhece a profundidade das dores vividas pelas mulheres e a necessidade de responsabilizar agressores, em vez de manter as vítimas no centro do sofrimento. A cartilha lançada é o primeiro passo para fomentar o debate e conscientizar mulheres e homens sobre essas violências”.

Sabrina Gil – Monte Alto

“Os dados e reflexões apresentados evidenciam que a violência on-line é uma continuação — e amplificação — da violência estrutural contra as mulheres, e o lançamento da Cartilha “Justiça Conectada” traduz esse desafio em ação concreta, oferecendo informação, acolhimento e empoderamento.

É uma honra fazer parte dessa iniciativa tão relevante e necessária, ao lado de mulheres inspiradoras e comprometidas e do idealizador do Projeto.